Batata Boy, ou Leonardo Acioli, lança seu primeiro disco solo no Spotify. O álbum traz reminiscências da infância com diferentes texturas musicais – vai do violão de cordas de nylon ao piano jobiniano cheio de beats (temperado com canto doce e irônicas vozes distorcidas). Logo de cara, uma foto de capa: Batata, ainda uma criança de dois anos de idade, brinca de skate – anda de skate com um clássico cabelo de cuia e com óculos escuros na cara. Na sua boca, um sorriso e no ângulo inferior direito uma data remota das antigas máquinas digitais. Sorriso que deixa os adultos mais atentos bobos. Sorriso com dentes de leite e cimento carrasquento do piso, que são um mistério para quem não lembra direito da primeira infância – Batata e todos nós.
As músicas falam “de um tempo que não volta mais”, sonoridades de quem busca o tempo perdido, não no gosto do pudim de leite, ou no cheiro discreto da jasmin-vapor: Batata procura o tempo perdido nas imagens criadas pelos sons. É como se ele quisesse recriar um álbum de fotografias que não foi revelado; um álbum de fotografias de infância que fala, canta e transmite mensagens do futuro para o passado (na ânsia de encontrar pistas do passado que ajudem a decifrar o que nos tornarmos). Nessa busca, o disco aproxima o adulto (ou quase adulto) do menino e o menino do quase adulto. As crianças sorriem, quando escutam as vozes distorcidas, sem entender a provocação, mas sacando que há uma quebra da ordem. O adulto, ao mirar a criança, mira a si mesmo, um si mesmo conhecido e desconhecido.
A vontade de chorar ao ver (e escutar) fotos de infância é tocada no álbum de formas múltiplas: o mistério do que fomos e do que nos tornamos, a saudade de quando não havia consciência dos boletos bancários e da cama dos pais que sempre aquecia mais, os braços miúdos sem relógios e os abraços de braços gigantes, de quando “o amor era o vento, o firmamento”. Batata escreve e canta isso sem ter sido pai ou mãe; Batata escreve e canta tudo isso sentindo o que é sentir o amor dos pais.
A textura sonora do disco vai do muro chapiscado da batida mais marcada e pluriforme ao teclado que lembra canto gregoriano – na última faixa. Batata Boy é capaz de articular texturas tão distintas porque é um multi-instrumentista ousado: vai da bateria ao piano, do violão à flauta, da guitarra ao celular, gravando o áudio de um vinil arranhado que repete o mesmo som inusitado ad infinutum. Além disso, é capaz de tocar baixo movendo com rara veemência os cabelos quase longos e de balançar o ganzá como se balançasse o ritmo de um coração que depende da sua entrega – seu corpo saltita e o ganzá para no ar como um beija-flor ou como Dadá Maravilha cabeceando. É isto que Batata quer com esse disco: fazer o tempo parar no ar; tirar som de fotografias e de memórias disformes que despertam sentimentos profundos e misteriosos.